Opinião
O avanço da desdolarização no comércio mundial
João Carlos M. Madail
Economista, Professor, Pesquisador e Diretor da ACP
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A desdolarização é o processo de substituição do dólar americano como moeda padrão para o comércio internacional, onde se busca com esta nova prática o fortalecimento contra a vulnerabilidade dos países às flutuações da moeda americana. Na prática se busca maior estabilidade e previsibilidade nas relações internacionais, com a promoção da diversificação de moedas internacionais e menos dependência de uma única moeda. Com isso, os EUA, certamente, reduzirão a sua influência política e cultural no âmbito mundial, além de encarecer o financiamento das suas bases militares ao redor do mundo. Alguns exemplos práticos do abandono do dólar em transações comerciais já vêm ocorrendo com a Índia que está comprando petróleo com a sua moeda, a "rúpia".
Essa tendência da desdolarização no mercado petrolífero ganhou impulso após a maior refinaria da Índia pagar uma transação com um fornecedor de petróleo dos Emirados Árabes Unidos usando sua própria moeda. China e Brasil fecharam a primeira operação completa com suas moedas no mês de março de 2023, onde anunciaram acordo para uso de moedas locais em seu comércio bilateral. A China é o maior parceiro comercial do País, sendo destino de mais de 30% das exportações e origem de mais de 20% das importações. Dada a tendência superavitária de fluxos pelo lado brasileiro, presume-se que o Brasil acumulará o "Yuan", moeda chinesa.
No mês de dezembro de 2022, a China e Arábia Saudita realizaram sua primeira transação em Yuan, seguida de declarações sauditas sobre estarem mirando uma diversificação em relação ao dólar americano. Na cúpula Rússia-China realizada em março de 2023, Putin declarou que as transações comerciais entre a Rússia e os países da Ásia, África e América Latina seriam feitas em RMB, Renminbi, que significa "moeda do povo", cuja unidade básica é o Yuan. Acrescentando-se o Irã outro país às voltas com sanções dos Estados Unidos, abandonarão os "petrodólares" os substituindo por "petroyuans".
Também vale lembrar a compra pela empresa francesa Total Energies, de gás natural liquefeito (GNL), liquidada em Yuan, da estatal chinesa CNOOC, a maior produtora offshore de petróleo e gás da China. Mantida a tendência da desdolarização no mundo dos negócios, certamente os EUA perderão a capacidade de adquirir bens e serviços devido ao privilégio de ser o único país que emite a moeda amplamente aceita nas atuais transações internacionais, No âmbito interno da economia americana poderá haver aumento dos preços, visto que a moeda americana deixa de ter forte participação na economia global, pelo desinteresse dos países em empréstimos ou investimentos em dólar, dado que a estrutura de produção global se deslocou para outros países, especialmente para a China, onde a moeda com reserva de valor passa a ser o Yuan.
Outro fator relevante diz respeito ao aumento da dívida americana. Com a perda da posição de reserva internacional e a sua não aceitação nas transações internacionais, a liquidez em dólares circulando pelo mundo teria que ser reduzida. Isso poderá ser feito com a emissão de títulos pelo FED americano, dos quais a China detém grande parte. Com o aumento da oferta de títulos, seus preços caem e seu custo de financiamento se eleva. Portanto a hegemonia do dólar no sistema internacional pode estar chegando ao fim, criando cenários nunca antes imaginados.
O certo é que o sistema monetário internacional está mudando e cabe aos países se prepararem e se adaptarem a essa nova realidade e aproveitarem as oportunidades que surgirão, minimizando riscos. Desde 1º de janeiro de 2024, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e Egito integram o clube de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, reforçando ainda mais o antagonismo aos EUA e com agenda pela desdolarização.
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